terça-feira, outubro 28, 2025

Eden


Eden é aquele tipo de filme que começa com uma promessa sedutora: um grupo de pessoas largando tudo para construir uma “vida perfeita” numa ilha paradisíaca no fim do mundo. Só que a utopia desmancha antes mesmo de pegar no tranco. Dirigido pelo Ron Howard e com um elenco pesado, o filme se apoia numa história real das Ilhas Galápagos do começo do século passado, quando europeus desiludidos resolveram escapar da modernidade acreditando que a natureza pura iria salvar todo mundo. A velha ilusão de que o problema é sempre a cidade, o país, o sistema, nunca a gente mesmo.

O filme acompanha esse grupo chegando na ilha Floreana carregando mais expectativas do que água potável. Cada um tenta transformar aquele pedaço de terra em algo que cure suas dores pessoais: um quer paz, outro quer recomeço, outro busca fama, outro só quer fugir de si. A convivência entre eles vira uma panela de pressão silenciosa. Nada explode de imediato, mas o desconforto vai crescendo igual calor dentro de um carro estacionado no sol. É uma história onde a natureza selvagem não é o inimigo principal, a ameaça real está nos olhos, nas intenções e nas pequenas ações de cada um ali.

A ilha funciona quase como um espelho cruel. Tudo que eles tentavam deixar pra trás reaparece com mais força. E é aí que o filme acerta: ele abandona aquela vibe de “sobrevivência contra o ambiente” e abraça o caos emocional. Não espere um ritmo frenético ou cenas de ação mirabolantes. Eden é mais sobre tensão humana, manipulação, ego, fraquezas e o desespero crescente de perceber que a utopia não existe quando as pessoas que você levou pra construí-la estão quebradas por dentro.

Ron Howard entrega um drama que vai derrapando para o suspense aos poucos, sem pressa, mas também sem aliviar. A fotografia usa bem aquele isolamento brutal das Galápagos, e o elenco carrega a história com intensidade suficiente pra te manter desconfortável. Pra quem gosta de filmes sobre natureza humana em decomposição, Eden serve. Pra quem procura aventura leve, pode estranhar o clima mais denso e áspero.

No fim, o filme deixa uma sensação amarga, quase irônica. Essas pessoas fugiram da sociedade acreditando que o mundo estava errado. Mas a ilha não salvou ninguém, só tirou todos os filtros e deixou cada um diante da própria verdade. Às vezes é mais fácil acreditar numa utopia do que admitir que o caos sempre viaja dentro da gente.

O filme está disponível na Amazon Prime.

sexta-feira, outubro 17, 2025

Revolucao dos Bichos

Revolução dos Bichos
George Orwell

Terminei A Revolução dos Bichos e fiquei com aquela sensação incômoda de que a história não envelhece nunca. Orwell mostra como um grupo cheio de boas intenções pode se perder no meio do caminho, quando o poder sobe à cabeça e o discurso da igualdade vira ferramenta de controle.

A fazenda começa como um sonho coletivo, todos trabalhando por todos. Mas, aos poucos, os porcos tomam o comando, e o ideal vira farsa. O que era uma revolução contra a tirania termina com os tiranos vestindo as mesmas roupas e repetindo as mesmas atitudes de quem eles diziam combater.

É impossível não olhar pra esse livro e pensar no mundo real. Na política, nas empresas, até nas relações pessoais. A gente vê isso todo dia: pessoas que começam querendo o bem comum e acabam defendendo só o próprio interesse.

Orwell escreveu uma fábula, mas poderia muito bem ter escrito um manual sobre o comportamento humano. E é por isso que o livro continua atual porque a ganância e a hipocrisia continuam as mesmas.

quarta-feira, outubro 08, 2025

Caramelo - Netflix

Caramelo é um daqueles filmes que a gente começa achando que vai ser mais uma história fofa de cachorro e termina completamente desarmado, com o coração apertado e os olhos marejados. Mas o acerto do longa está justamente em não seguir o caminho fácil. Ele não é “mais um filme de cachorrinho”, e, graças a Deus, o caramelo não morre no final, o que já é um alívio para quem não aguenta mais ver esses dramas previsíveis onde o bicho vai embora só pra arrancar lágrima do público. Aqui, o foco é outro: a dor real das perdas humanas, aquelas que deixam cicatrizes de verdade.

Rafael Vitti vive Pedro, um chef de cozinha cheio de sonhos que vê sua vida virar de cabeça pra baixo depois de um diagnóstico de câncer. É nesse ponto que ele cruza o caminho do cachorro caramelo, o vira-lata que se torna seu companheiro inseparável. O filme emociona porque trata de temas que todo mundo teme encarar que é a doença, a finitude, o luto. E o faz com delicadeza, sem melodrama barato. A relação entre Pedro e o cachorro não é sobre salvar o humano, mas sobre dar sentido aos dias, encontrar um motivo pra continuar mesmo quando tudo parece ruir.

O que pega de verdade é que o roteiro toca fundo nas feridas que muita gente carrega. Eu, por exemplo, já perdi parentes para o câncer, e ver aquilo na tela foi como reviver uma dor que nunca some de vez. Não é o cachorro que faz a gente chorar é a lembrança das pessoas que se foram, dos abraços que a gente não deu, das conversas que ficaram pela metade. O filme entende isso, e por isso é tão humano.

Diego Freitas dirige com sensibilidade e evita transformar o drama em algo pesado demais. A trilha sonora acerta em cheio, os silêncios dizem tanto quanto as falas, e o olhar do Caramelo parece carregar uma sabedoria antiga, como se dissesse que o amor, mesmo nas perdas, continua sendo o que realmente importa. Caramelo não é sobre um cachorro. É sobre a vida e sobre a coragem de seguir em frente quando ela mostra seu lado mais cruel.