terça-feira, fevereiro 25, 2025

O Expresso do Sofrimento

Viajar de ônibus é uma experiência única. Não no sentido de algo inesquecível e mágico, mas no sentido de ser um teste de resistência física e mental. Eu deveria ter suspeitado que aquela viagem não terminaria bem no momento em que entrei no ônibus e vi minha poltrona: poltrona numero 13, lado esquerdo, do lado da janela, o que significa que meu destino estava selado.

Mas tudo piorou quando minha vizinha da frente, uma jovem de cabelo colorido e múltiplos piercings, resolveu que a vida dela era um episódio de Relaxamento Extremo – O Desafio e reclinou o banco com tanta força que eu quase fui empurrado para um universo paralelo. Senti meus joelhos gritando, minhas costelas comprimidas e meu espaço pessoal reduzido ao tamanho de um envelope.

E se você acha que isso foi o pior, calma. O cheiro. Meu Deus, o cheiro. Quer dizer, se fosse cheiro tava bom. O banco dela tinha um odor que parecia uma mistura de chulé acumulado, mofo de almofada esquecida na chuva e uma pitada de “esqueci de tomar banho há uns dias”. E a cereja do bolo? A cabeça dela, a poucos centímetros do meu nariz. A cada movimento, meu ar era filtrado por aquela combinação olfativa infernal. Um spa sensorial, só que do inferno.

Minhas pernas começaram a formigar, presas entre o assento e a vontade de viver. O ônibus balançava e eu não conseguia me mexer. Tentei reclamar, tossi alto, fiz barulho, mexi no banco… nada. A moça lá, desmaiada, dormindo como se estivesse na melhor suíte de hotel do mundo. Meu único consolo era imaginar que, talvez, ela sonhasse que estava em um banho quente, porque na vida real… bom, já falamos sobre isso.

Eu comecei a pensar que minha vida estava se tornando um filme de terror psicológico. Não era mais sobre a viagem, era sobre como eu poderia sobreviver a esse minúsculo espaço sem enlouquecer. A sensação de estar preso em uma cápsula de sofrimento era tão intensa que comecei a sentir como se o ônibus fosse uma nave espacial indo direto para o abismo da minha paciência. Cada vez que ela mexia a cabeça, parecia que o tempo esticava mais e mais, e eu estava ali, naquela prisão de quatro rodas, esperando um milagre.

Era como se o universo tivesse conspirado contra mim para que eu não tivesse um segundo de paz. Eu estava tão apertado que comecei a acreditar que a moça da frente não estava realmente lá. Talvez fosse uma projeção, uma ilusão criada pelo meu corpo em agonia. Afinal, nada poderia ser real em uma realidade onde eu estava preso em um banco que parecia um meio de tortura medieval. E então, quando finalmente comecei a sentir um leve alívio, como se o ônibus estivesse desacelerando e o fim estivesse próximo, a moça acordou e olhou para o lado.

Minha torturadora piscou, coçou a cabeça e, sem perceber meu sofrimento visível, soltou um bocejo dramático, como se estivesse se preparando para levantar e ir embora de sua jornada perfeita. 

Nesse exato momento, para o desfecho digno do caos absoluto, depois de uma hora e meia de sofrimento, ela ajeitou a mochila no assento ao lado e virou para mim, com um sorriso de quem acabou de acordar de um sono reparador, e disse:
Nossa, viajei tão bem! Nem vi o tempo passar.

- Nem eu, moça. Mas foi porque eu estava ocupado tentando sobreviver.

Eu só queria paz, mas a vida tem outros planos;
Se fosse fácil, não seria comigo!
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É ótimo de ver por aqui novamente! Some não.

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