sexta-feira, dezembro 05, 2025

O Telefone do Sr Harrigan


Tem filmes que chegam quietos, sem prometer muito, e acabam deixando uma pulga atrás da orelha. O Telefone do Sr. Harrigan é exatamente assim. E, claro, não dá para ignorar o motivo principal de eu ter ido atrás dele: Stephen King. O homem tem essa habilidade estranha de pegar situações simples, quase mundanas, e torcer até virar algo que mexe com a gente por dentro.

A história acompanha Craig, um garoto do interior que começa a ler para um milionário recluso chamado Sr. Harrigan. É um trabalho simples, quase uma rotina de companhia, mas que acaba moldando a formação do menino. Enquanto os colegas estão mergulhados no mundo dos celulares, e o filme mostra isso de maneira direta, com a escola literalmente separada entre quem tem iPhone, quem tem outra marca e quem não tem nada, Craig passa tardes inteiras lendo clássicos. Sem discurso motivacional, sem grandes lições. Só leitura mesmo, daquelas que vão afiando o pensamento aos poucos.

Quando Craig finalmente ganha um iPhone e decide comprar um igual para o Sr. Harrigan, o tom muda. Ali começa o que parece quase uma propaganda da Apple. iPhone pra todo lado, cena após cena. Mas o foco está em outro lugar. Após a morte do velho, algo que o trailer já entrega, Craig resolve ligar para o número dele por saudade, por hábito, por impulso. E a ligação retorna. Não com voz, mas com mensagens que nenhum aparelho deveria mandar.

A partir daí, o filme entra naquele território típico do King. O sobrenatural que não explica nada, não aparece claramente e mesmo assim bagunça tudo. Pessoas que Craig despreza começam a morrer de formas suspeitas. O “fantasma” atende, entende e executa. Não há sustos, não tem monstro, só um silêncio estranho que acompanha cada consequência.

Mesmo com essa camada sombria, o coração da história continua na relação dos dois. Craig carrega para a vida reflexões e trejeitos que são fruto direto dos livros lidos para o Sr. Harrigan. E é justamente esse peso que colide com o poder inesperado trazido pelo telefone. O filme vira uma conversa sobre responsabilidade, escolhas e as fronteiras do que a tecnologia deveria ou não atravessar.

No fim, O Telefone do Sr. Harrigan é um conto de amadurecimento disfarçado de suspense sobrenatural, com aquela assinatura clássica do King. O estranho entrando devagar na vida de alguém comum, até fazer tudo ressoar de um jeito desconfortável. Não é um espetáculo, não é explosivo, mas deixa aquela sensação de que algo continua vibrando depois dos créditos.

Filme está disponível na NETFLIX.

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terça-feira, dezembro 02, 2025

Quando você lê de verdade, os especialistas caem


Nos últimos dias mergulhei no Psicologia Financeira, do Morgan Housel, e essa leitura já mudou minha percepção sobre muita coisa. Não só sobre dinheiro, mas sobre a forma como a gente consome conteúdo, especialmente esses podcasts de investimento do YouTube, no qual vários caras aparecem com aquela postura de iluminado, citando livros como se fossem donos da verdade. Quando você não lê nada por conta própria, parece que esses apresentadores têm algo especial. Eles falam com segurança, repetem frases prontas, citam autores famosos e parecem realmente dominar os assuntos. 

Eu já admirei alguns deles. Achava que estavam me ensinando alguma coisa. Mas agora que estou lendo os livros que eles citam, percebi o quanto muitos desses podcasts ruminam frases de efeito sem contexto, sem profundidade e sem entendimento real. Os caras puxam trechos soltos só para reforçar opinião pessoal ou ideologia, principalmente quando o assunto é bilionário, meritocracia e fórmula mágica de enriquecimento. Virou quase um teatro pois eles não explicam o que leram; eles encenam.

Enquanto avançava no livro do Housel, fui percebendo como essas figuras soam rasas. No começo da leitura, até estava irritado com o livro. Achava repetitivo, meio distante da realidade de quem vive contando centavo. Parecia um livro escrito para quem já tem dinheiro sobrando. Mas conforme fui avançando, o texto começou a ganhar um peso diferente. No final do capítulo 2 veio a primeira virada de chave: ele diz que nós não aprendemos nada estudando exceções. Não adianta copiar bilionário, idolatrar casos isolados ou tentar repetir trajetórias que só deram certo porque a pessoa estava no lugar certo, na hora certa, com uma sorte absurda envolvida. E é exatamente isso que esses podcasts fingem não ver. Eles tratam exceção como regra. Eles pegam a história de um cara específico e transformam em “ensinamento universal”, como se todo mundo tivesse as mesmas oportunidades, o mesmo cenário e a mesma vida. É desonesto.

O capítulo 3 reforçou ainda mais essa percepção. Ele fala sobre ganância e sobre a dificuldade de reconhecer o que é “suficiente”. A busca eterna por mais faz muita gente se meter em riscos desnecessários, desgastar a própria paz e até perder tudo. Não por necessidade, mas porque nunca existe um limite claro. É uma verdade dura, que serve para qualquer pessoa mas que os podcasts ignoram completamente. Para eles, tudo se resume a correr atrás, arriscar mais, querer mais, buscar mais. E quando dá errado, dizem que faltou disciplina. É uma narrativa vazia.

Ao ler tudo isso, comecei a enxergar esses podcasts de outro jeito. Não como fontes de conhecimento, mas como vitrines de ego. Host que usa livros como escudo para parecer inteligente, mas que nunca aprofundam nada. Gente que cita autores que provavelmente nem entendeu. Gente que fala de dinheiro como se fosse um joguinho onde basta "fazer o que bilionários fazem" e pronto. Depois que você passa a ler de verdade, esse tipo de conteúdo perde a magia. Fica óbvio o quanto é raso. Fica claro que o cara não está te ensinando nada; está só repetindo, como papagaio, conceitos que não domina.

Eu ainda não terminei o livro, mas já é nítido o quanto ele me ajudou a perceber essas coisas. Não é só sobre finanças, é sobre pensamento crítico. É sobre separar conhecimento real de show. Ler por conta própria é o que desmonta ilusões e coloca as ideias no lugar. E sinceramente, só isso já vale a leitura inteira.

E no fim das contas, esse texto nem é exatamente sobre o *Psicologia Financeira*. Ele é sobre todos os livros que tratam de comportamento, dinheiro, risco e mentalidade. Obras que, quando lidas de verdade, mostram um mundo cheio de nuances, incertezas e fatores que ninguém controla. E aí a ficha cai, o problema não está nos livros, mas em quem distorce as mensagens deles.

É uma crítica direta aos podcasts de investimento que circulam por aí. Esses caras não querem ensinar. Eles querem moldar, eles querem vender os próprios cursos. Pegam teorias sérias e transformam em slogan motivacional. Usam histórias de bilionários como se fossem roteiro obrigatório. Ignoram completamente a sorte, o contexto, a realidade de cada um. Incentivam pessoas comuns a imitarem modelos impossíveis, como se tudo fosse uma questão de vontade e coragem. E quando dá errado, colocam a culpa na vítima. Se deu errado, é porque você não comprou meu curso. 

Ler por conta própria me mostrou o quanto isso é enganoso. A leitura revela o que eles escondem, complica o que eles simplificam e desarma a narrativa fantasiosa que eles vendem. Esse post é sobre isso, sobre ganhar consciência, enxergar as manipulações e finalmente perceber que o mundo real é muito mais complexo do que esses podcasts fazem parecer.

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