sexta-feira, junho 06, 2025

A Logica da Troca

Trocas, poder e obrigações: o que Mauss e Malinowski diriam do nosso mundo?

Você já parou pra pensar que quase nada na vida é realmente “de graça”? Mesmo os gestos mais simples, um favor, um presente, um convite carregam consigo uma carga invisível de expectativa, de obrigação. E essa lógica da troca, que a gente costuma achar que ficou no passado tribal, continua vivíssima hoje. Talvez disfarçada, mais sutil, mas tão poderosa quanto sempre foi.

Na antropologia, dois nomes gigantes ajudaram a entender esse fenômeno: Marcel Mauss e Bronisław Malinowski. E embora ambos tenham estudado trocas em sociedades ditas “primitivas”, o que eles descobriram serve como uma luva pra entender a sociedade atual, essa em que trocamos likes por validação, favores por influência, presentes por posições.

Mauss, em seu clássico Ensaio sobre a Dádiva, mostrou que dar, receber e retribuir não são gestos espontâneos. Eles criam vínculos, amarram pessoas, geram obrigações. Quando alguém te dá algo, você se sente em dívida. E essa dívida não é só econômica ela é moral e simbólica. Recusar um presente, por exemplo, é como recusar um vínculo e não retribuir pode ser lido como desrespeito ou fraqueza. É como se estivéssemos presos num eterno ciclo de trocas que mantém a sociedade coesa ou controlada.

Malinowski, por outro lado, analisando o sistema Kula nas Ilhas Trobriand, observou que essas trocas também têm uma função: manter a ordem, reforçar status, organizar a vida social. A troca, nesse caso, não é sobre o objeto em si, mas sobre o que ele representa. Um colar passado de mão em mão não é só um adorno é um sinal de prestígio, de pertencimento, de hierarquia. Trocar é, portanto, uma maneira de manter todo mundo “no seu lugar”.

Agora, transporte isso pro nosso tempo. Quando uma marca manda um mimo pra um influenciador, está oferecendo mais do que um produto está oferecendo um pacto silencioso. Quando alguém te indica pra uma vaga, ou te ajuda num projeto, essa pessoa está, conscientemente ou não, gerando uma expectativa de retorno. Quando políticos recebem apoio de empresários ou grupos religiosos, a dívida não é só moral é política, é estratégica.

Até mesmo o marketing moderno bebe da fonte de Mauss e Malinowski. Programas de fidelidade funcionam como trocas ritualizadas: o cliente “ganha” algo, mas na verdade está sendo amarrado a um ciclo de obrigações. A marca dá, o consumidor retribui com lealdade, e assim o jogo segue.

Nas relações pessoais não é diferente. Amizades, parcerias, redes de contato, tudo isso opera, em algum nível, dentro da lógica da troca. Às vezes explícita, às vezes velada. Você ajuda alguém hoje, sabendo que pode precisar dela amanhã. Você convida alguém pra um evento, esperando ser lembrado no próximo. Você comenta e curte o post do amigo, esperando o mesmo em troca. A vida cotidiana virou um tabuleiro de reciprocidades não ditas.

No fundo, tanto Mauss quanto Malinowski estavam falando sobre poder. Sobre como ele circula, como ele se disfarça de gentileza, como ele se esconde atrás de um presente embrulhado com laço bonito. Trocar é um ato social, mas também é um ato político. É um jogo de controle, de pertencimento, de hierarquia.

E talvez, no mundo de hoje, o grande desafio seja justamente esse, perceber quando estamos trocando por afeto e quando estamos apenas sendo capturados por uma rede invisível de obrigações disfarçadas de gentileza.


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