segunda-feira, junho 02, 2025

Coerencia

Coerência
James Ward Byrkit

Tudo começa com um jantar entre amigos. Risadas, conversas sobre o passado, discussões sobre astrologia, relacionamentos mal resolvidos e um cometa cruzando o céu. É uma daquelas noites que parecem normais, até que alguma coisa desencaixa. As luzes piscam. Os celulares quebram. A comunicação com o mundo lá fora se torna impossível. E o que era apenas uma reunião de velhos conhecidos se transforma num jogo mental onde nada nem ninguém é exatamente o que parece ser.

Coerência, filme independente lançado em 2013, dirigido por James Ward Byrkit, entrega uma experiência que incomoda de maneira inteligente. Sem precisar de efeitos especiais, monstros ou trilhas sonoras grandiosas, ele se apoia na tensão dos diálogos e na força de um roteiro engenhoso. O cenário é único, a casa onde tudo acontece. E a ameaça também: ela está do lado de fora, do lado de dentro, no reflexo do espelho e mais assustador ainda, nos próprios personagens.

A grande sacada é a abordagem do multiverso. Nada de explicações científicas detalhadas, fórmulas, gráficos ou viagens no tempo. Aqui, a ideia de realidades paralelas surge como um ruído, uma rachadura invisível que vai se ampliando até engolir a lógica das coisas. Aos poucos, os personagens percebem que não estão mais sozinhos. Outras versões de si mesmos estão ali por perto, vindas de realidades ligeiramente diferentes, carregando segredos, intenções e arrependimentos. E é aí que o filme atinge seu ponto mais alto: quando obriga cada um a encarar a pior versão de si. Ou talvez a mais honesta.

O roteiro foi feito com base em situações improvisadas. Os atores não sabiam tudo o que iria acontecer em cada cena. Isso dá um ar de verdade ao caos. As reações são cruas, confusas, como seriam se aquilo acontecesse de verdade. Porque, na prática, Coerência não fala só sobre buracos na realidade. Fala sobre o que as pessoas escondem, sobre decisões mal tomadas, sobre como a vida que levamos é só uma entre muitas possíveis, e como talvez estejamos mais próximos da nossa própria substituição do que gostaríamos de imaginar. Detalhe interessante: O filme inteiro foi gravado na casa do diretor, em uma semana.

É um filme que termina e continua ecoando. Te faz pensar em escolhas, em identidade, em como uma pequena mudança pode criar uma avalanche de consequências. A certa altura, surge a dúvida inevitável: e se aquela pessoa que saiu para pegar gelo não for a mesma que voltou?

Coerência é claustrofóbico, filosófico, silenciosamente perturbador. Uma daquelas produções que não subestimam a inteligência de quem assiste. Ao contrário, desafia e provoca. E deixa um gosto amargo de dúvida no final. Vale cada minuto. Especialmente se você gosta de sair do filme com a cabeça fervendo. 

Coerência está disponível no Amazon Prime.

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